Relato de Caso

LISA KOSACK

    A primeira noite de Lisa no "Sick Children's Hospital", de Toronto, Canadá, foi pior do que um pesadelo. ela deu entrada às quatro horas da tarde, e logo foi submetida a uma série de exames. Só foi internada às onze e quinze da noite. À meia-noite, - bem, deixemos que Lisa nos conte o que aconteceu. "À meia-noite, chegou uma enfermeira e disse: 'Tenho de lhe dar um pouco de sangue.' Eu bradei: 'Não posso tomar sangue porque sou Testemunha de Jeová! Eu acho que você sabe disso! Eu acho que você sabe disso!' 'Bem, sim, eu sei', disse ela, e imediatamente tirou a bolsa do soro para colocar a do sangue. Eu gritava e estava ficando histérica."
    Que tratamento insensível e cruel a infligir no meio da noite a uma menina de 12 anos doente e assustada num ambiente estranho! Os pais de Lisa a haviam levado ao "Sick Children's Hospital" de Toronto na esperança de encontrar médicos bondosos e cooperadores. Em vez disso a filha deles foi submetida àquela angustiante transfusão da meia-noite, apesar da posição, tanto de Lisa como de seus pais, de que o tratamento com sangue ou com derivados viola a lei de Deus e não deve ser usado. [Atos 15: 28, 29]
    Na manhã seguinte, o hospital foi em busca de uma ordem judicial para dar transfusões. O julgamento durou cinco dias, presidido pelo Juiz David R. Main. Foi realizado numa sala do hospital, com a presença de Lisa todos os cinco dias. Lisa tinha leucemia mieloide aguda, um estado quase sempre fatal, embora os médicos afirmassem que o índice de cura era de 30 por cento. Eles prescreveram múltiplas transfusões de sangue e quimioterapia intensiva - um tratamento que envolve sofrimentos extremos e debilitantes efeitos colaterais.
    No quarto dia do julgamento, Lisa prestou depoimento. Uma das perguntas que lhe foram feitas foi sobre que efeito teve sobre ela aquela transfusão da meia-noite. Ela disse que se sentiu como um cão sendo usado num experimento, que sentia que estava sendo violentada e que, por ser menor de idade, algumas pessoas pensavam que poderiam fazer qualquer coisa com ela. Ela detestou ver o sangue de outra pessoa entrar nela, temendo pegar AIDS ou hepatite, ou outra doença infecciosa. E principalmente, estava preocupada com o que Jeová acharia de ela violar a Sua lei contra absorver sangue de outra pessoa para dentro de seu corpo. Ela disse que se isso acontecesse de novo ela "resistiria e chutaria o suporte da bolsa de sangue e arrancaria a agulha do seu braço, não importa o quanto doesse, e faria furos na bolsa de sangue."
    A sua advogada perguntou: "O que você acha do pedido dos membros da Sociedade de Ajuda à Criança de tirar de seus pais a guarda sobre você e transferi-la a eles?"
    "Bem, isto me deixa muito, muito irritada; faz-me pensar que essa gente é cruel, pois meus pais nunca me espancaram, sempre me amaram e eu os amo, e sempre que fiquei doente, com infecção de garganta, resfriados, ou o que quer que fosse, eles cuidaram de mim. Toda a vida deles gira em torno de mim, e agora, só porque aparece alguém, só porque alguém discorda... vir e querer simplesmente me separar deles, eu acho isso muitíssimo cruel, e me deixa muito abalada."
    "Você deseja morrer?"
    "Não, eu acho que ninguém deseja morrer, mas, seu eu tiver de morrer, isso não me apavora, porque sei que tenho a esperança de vida eterna numa Terra paradisíaca."
    Havia poucos olhos que não se encheram de lágrimas à medida que Lisa falava corajosamente sobre sua iminente morte, sua fé em Jeová e sua determinação de permanecer fiel à lei da santidade do sangue.
    "Lisa", prosseguiu a sua advogada, "faria alguma diferença você saber que o tribunal ordena que você tome transfusões?"
    "Não, porque ainda assim vou permanecer fiel ao meu Deus e obedecer aos seus mandamentos, pois Deus é muito superior a qualquer tribunal ou qualquer homem."
    “Lisa, o que você gostaria que o juiz decidisse neste caso?”
    “Bem, o que eu gostaria que o juiz decidisse neste caso é simplesmente me devolver aos meus pais, e que eles recuperem a minha guarda, para que eu possa ser feliz e ir para casa e estar num ambiente feliz.”
    E foi exatamente isso o que o Juiz Main decidiu. Seguem-se alguns excertos de sua decisão.
L— informou a este tribunal clara e inequivocamente que, se for feita uma tentativa de transfundir sangue nela, ela lutará contra essa transfusão com todas as forças que puder reunir. Ela tem dito, e eu acredito nela, que gritará e lutará, e que arrancará o sistema endovenoso de seu braço e tentará destruir o sangue na bolsa acima de sua cama. Recuso-me a dar uma ordem que poderia submeter essa criança a tal provação.

    A respeito da forçada transfusão da meia-noite, ele disse:
Concluo obrigatoriamente que ela sofreu discriminação à base de sua religião e de sua idade, em conformidade com a s[eção]. 15(1). Nestas circunstâncias, ao ser dada uma transfusão de sangue, seu direito à segurança de sua pessoa, em conformidade com a s. 7, foi infringido.

    A sua impressão pessoal a respeito da própria Lisa é interessante:
L— é uma pessoa linda, extremamente inteligente, expressa-se bem, cortês, sensível e, o que é mais importante, corajosa. Ela é mais sábia e mais madura do que as pessoas de sua idade, e julgo que seria seguro afirmar que ela dispõe de todos os atributos positivos que qualquer genitor gostaria de ver num filho ou numa filha. Ela tem uma crença religiosa bem refletida, firme e clara. Em meu conceito, não existe nenhuma dose de aconselhamento, de qualquer fonte, ou de pressão por parte de seus pais, ou de outrem, inclusive um mandado emitido por este tribunal, que abalasse ou alterasse suas crenças religiosas. Decido que L. K. deve ter a oportunidade de combater esta doença com dignidade e paz mental.

Pedido indeferido.
Lisa e sua família deixaram o hospital naquele mesmo dia. Lisa realmente lutou contra a sua doença com dignidade e paz mental. Ela faleceu serenamente em casa, nos braços amoroso de seus pais, juntando-se assim às fileiras dos muitos outros jovens Testemunhas de Jeová que colocaram Deus em primeiro lugar. Assim, ela participará, junto com eles, no cumprimento da promessa de Jesus: "Quem perder a sua vida por minha causa, achá-la-á." - Mateus 10: 39. 



Relato retirado da matéria:
Jovens com "poder além do normal" - Revista Despertai! [22 de maio de 1994 (revista física)]

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